27 dezembro 2007

O TAGV deseja-lhe Feliz Ano Novo

[Arquivo-TAGV]

Postal TAGV 2007. Texto: «Augúrio de Inocência» (excerto), de William Blake. Imagem: Jerusalem (exemplar E, gravura 28, pormenor), de William Blake. Tradução de Jorge de Sena. Design de Joana Monteiro.

António Augusto Barros sobre o ensino artístico (26 Dez 2007)

[Recorte-TAGV]

Johannes Vermeer, Rapariga sentada ao virginal (c. 1670-72), óleo sobre tela, 51,5x45,5 cm. © The National Gallery, Londres.

Aulas de expressão dramática no 1.º ciclo dadas por professores sem currículo e cursos superiores que «são autênticas fraudes». Eis algumas críticas de António Augusto Barros a um problema que, se não for resolvido, continuará a ditar o atraso do país: «a falta de educação artística desde pequeninos». Quanto à Universidade de Coimbra, diz que deve ajudar e que tem condições para abrir vários cursos. Em domínios como a dança, o teatro, a música e o cinema.

Diário de Coimbra – A companhia acaba de comemorar 15 anos de actividade. Sentem-se os resultados dessa actividade?
António Augusto Barros – Os resultados são difíceis de calcular e não é tanto por isso que as companhias comemoram. Não sou o fanático das comemorações, mas, tal como as coisas estão e perante uma luta tão grande pela sobrevivência, acho que se devia comemorar todos os dias. Porque em certos contextos é quase uma coisa épica.

Diário de Coimbra – Mas juntando as estreias com o aniversário, isso não tem um efeito multiplicador em termos de público?
António Augusto Barros – Multiplicador não tem. Em 15 anos comemorámos sempre da mesma forma, fazendo aquilo que é próprio de uma companhia, que é fazer estreias. Este ano fizemos quatro – somos obrigados a fazer três estreias e a dar 100 espectáculos durante um ano, segundo o contrato que temos com o Ministério da Cultura. E desenvolvemos um projecto, para o qual fomos convidados pela delegação Centro do Ministério da Cultura, com grupos amadores: “Tchékhov em um acto”. Um projecto de formação, como fazemos muitos, mas este foi maior. Durou um ano e envolveu dezenas de pessoas. Conseguimos unir a nossa actividade principal, que é a estreia de produções originais, com um projecto formativo, uma área que sempre desenvolvemos muito. Desta vez, foi a formação para amadores. Mas temos feito muita formação para professores, alunos...

Diário de Coimbra – A formação de públicos, que muito tem interessado ao Teatrão, não é o que mobiliza mais a companhia A Escola da Noite. Mas também actua a este nível?
António Augusto Barros – Nós somos criadores de espectáculos. Essa é a nossa função. Mas é evidente que não é possível o teatro sem público. E é fundamental formar públicos, ter públicos capazes de ler um espectáculo de teatro. Na arte é preciso fazer um esforço suplementar a esse nível, porque a ignorância geral atira para que cada um vê, gosta ou não gosta, e pronto. Isto é a lei da ignorância. Em nenhuma área da actividade humana é assim.

Diário de Coimbra – Esta é uma lacuna nas escolas portuguesas?
António Augusto Barros – Esta é uma lacuna em Portugal. Não é só um falso problema, como é também uma coisa perversa, volta e meia, dizer-se que as artes não têm público. Hoje, a tendência até é contrária. Cada vez há mais público e mais gente a querer trabalhar nas artes. Agora, com essa afirmação, parece que estão a fazer uma acusação a quem faz: “Para que é que fazem se ninguém vos vê?” E isso, muitas vezes, abrange formadores de opinião, críticos, jornalistas, gente que deveria ser mais responsável e que deveria perceber o país em que estão. O grau de iliteracia, até de analfabetismo, e, fundamentalmente, uma coisa que depois condiciona tudo, que é a falta de educação artística desde os mais tenros anos de idade. Isso marca em definitivo a nossa vida futura. Se nós não convivemos com as artes desde pequeninos, continuamos a ser um país pobre.

Diário de Coimbra – Não se está a melhorar neste aspecto, com os passos dados, por exemplo no 1.º ciclo, com as actividades de enriquecimento curricular, que têm uma pequena componente de expressão artística?
António Augusto Barros – Muito pequena e muito tímida. Os melhores esforços têm sido canalizados para formar grupos de estudo que fazem relatórios sobre a necessidade do ensino artístico. Isso é o que se tem visto. Ultimamente, houve um congresso mundial sobre o ensino artístico. Chegam a conclusões fabulosas, mas depois não se aplicam.

Diário de Coimbra – Ao nível do ensino superior, as artes têm sido uma área prioritária na abertura de cursos e de vagas.
António Augusto Barros – Mas é tudo falso, enquanto não se começar a fazer o ensino artístico desde os jardins-de-infância. Essas actividades de enriquecimento curricular são feitas completamente à balda. As aulas de expressão dramática são asseguradas por professores sem formação. São professores que estão desempregados. São professores de Português, de História, de Geografia e sei lá mais do quê, que dão expressão nas escolas. Tudo aquilo que estamos a fazer é uma tremenda mentira e falsidade. E isso vai até à universidade, onde se estão a fazer cursos que são autênticas fraudes. Onde não se sabe o que se está a fazer e onde os formadores não têm currículo para o fazer.

Diário de Coimbra – Engloba Coimbra nessa fraude?
António Augusto Barros – Eu estou a falar do panorama de uma forma geral. Em Coimbra, creio que a formação teatral não é dada em nenhum sítio em concreto. Há dois cursos. Um é de Teatro e Educação [Escola Superior de Educação]. Está-se a formar animadores, não gente para o teatro, nem artistas, nem actores, nem encenadores. No caso dos Estudos Artísticos [Faculdade de Letras], é um belíssimo esforço. É o primeiro que a Universidade faz em não sei quantos séculos de existência, mas não é um curso para formar quadros para as artes. É um curso para formar críticos e teóricos. E, portanto, tem grandes debilidades ainda. Acho que a Universidade tem um caminho muito grande a percorrer no ensino das artes. O senhor reitor tem afirmado continuadamente que quer fazer aí um grande esforço. A coisa tem sido lenta. Coimbra tem potencialidades para ser a cidade da formação em artes. Temos uma Universidade que tem vontade disso, temos unidades de criação artística profissionais, temos grupos de teatro universitário.

Diário de Coimbra – Em Coimbra, deveria haver um curso superior de formação de actores?
António Augusto Barros – Deveria haver vários cursos: no domínio da dança, do teatro, da música, do cinema. E nós temos todas as condições para o fazer. E há uma grande falta de quadros em todo o país que poderia aqui ser suprida. E a nossa cegueira é não percebermos isso.

Excerto da entrevista feita por Carlo Santos a António Augusto Barros, Diário de Coimbra, 26 Dezembro 2007.

22 dezembro 2007

Teatro e Arquitectura: novo ciclo TAGV (Jan-Jul 2008)

[Notícia-TAGV]

Um dos objectivos estruturais da programação do Teatro Académico de Gil Vicente é o reforço de iniciativas próprias. O ciclo que aqui se apresenta é uma nova produção do TAGV. «Teatro e Arquitectura» propõe-se analisar um esforço conjunto sem precedentes, realizado na última década, de renovação ou construção de Teatros como parte da rede nacional de teatros e cine-teatros. Este esforço deu origem a um conjunto de edifícios notáveis, seja na requalificação, seja na concepção de raiz, seja ainda nas formas de implantação no espaço urbano envolvente.

Para a construção da ideia de cidade, os equipamentos culturais – teatros, museus e, mais recentemente, os centros culturais – sempre assumiram um papel estruturador do tecido urbano. A promoção da construção de equipamentos culturais por iniciativa do poder central ou local representa a assunção da importância atribuída às práticas artísticas. Também para os arquitectos, a possibilidade de desenhar um equipamento excepcional como um teatro – os equipamentos são sempre programas excepcionais – representa um desafio singular. Os teatros, pela representatividade social que lhes está associada e pela singularidade do seu programa, que inclui grandes volumes sem luz natural, constituem um exercício de complexidade superior, em particular no tratamento volumétrico do edifício.

O objectivo deste pequeno ciclo de exposições é chamar a atenção para alguns destes projectos arquitectónicos, contextualizando-os nos usos decorrentes das actividades que neles têm lugar. O Teatro enquanto espaço arquitectónico propõe uma determinada relação entre a forma e a função. A ocupação humana e artística transforma o espaço edificado em espaço habitado e em espaço público. Ao estabelecer um conjunto de relações entre as pessoas e o lugar, o acto de programar determina também a apropriação do espaço que o torna habitável.

Em cada exposição do ciclo está prevista, para além da exposição monográfica sobre o edifício em análise, uma conferência do autor do projecto seguida de uma mesa-redonda com a participação de arquitectos e programadores, e uma visita à obra. Arquitectura e programação serão vistas como modos de imaginar a habitabilidade do espaço. A exposição monográfica sobre os edifícios ocupará preferencialmente o Café-Teatro e será constituída por maquetas dos edifícios e painéis com desenhos técnicos e fotografias da obra. Porque os teatros são também as pessoas que os utilizam e em particular as pessoas que os programam, os programadores darão a conhecer as principais opções de programação, produção e divulgação e as condições para a sua concretização.

Teatro Esther de Carvalho (Montemor-o-Velho). Recuperação do Edifício de José António Bandeirinha. Fotos MP.

Em arquitectura, nada substitui a experiência fenomenológica do lugar. Por isso propomos que cada exposição termine com uma visita à obra na companhia dos autores dos projectos. Esta visita será efectuada por autocarro e carece de um número mínimo de vinte inscritos para a sua concretização. Na medida do possível a visita à obra deverá terminar com a assistência a um espectáculo.

Para a primeira parte do ciclo «Arquitectura e Teatro» (que terá continuidade na temporada 2008-2009) seleccionámos quatro edifícios de escalas e significados diferentes, e cuja qualidade arquitectónica não nos oferece dúvida. A remodelação do Teatro Esther de Carvalho, em Montemor-o-Velho, da autoria do arquitecto José António Bandeirinha, o Teatro Municipal da Guarda, de Carlos Veloso, o Teatro Municipal de Almada, de Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, e o Centro Cultural do Cartaxo, de Diogo Burnay e Cristina Veríssimo, são quatro projectos aos quais reconhecemos uma característica comum: todos reclamam para a arquitectura a capacidade de criar sem retórica novos sentidos ao edificado onde se inscrevem, inventando um ponto de partida para a criação de uma urbanidade referenciada ao equipamento proposto.
Carlos Antunes
Manuel Portela

Calendarização:
José António Bandeirinha, 8 a 29 de Janeiro de 2008: Teatro Esther de Carvalho (Montemor-o-Velho)
Carlos Veloso, 8 a 30 de Abril de 2008: Teatro Municipal da Guarda
Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, 11 a 30 de Junho de 2008: Teatro Azul (Teatro Municipal de Almada)
Diogo Burnay e Cristina Verísssimo, 8 a 31 de Julho de 2008: Centro Cultural do Cartaxo

20 dezembro 2007

O corpo-espírito da estória (19 Dez 2007)

[Arquivo-TAGV]

A Vida Interior de Martin Frost, escrito e realizado por Paul Auster. 19 Dezembro 2007, TAGV.

Em A Vida Interior de Martin Frost, Paul Auster constrói uma estória a partir da possibilidade de materialização do acto criativo num corpo alheio, que é, ao mesmo tempo, o objecto do amor. É como se o acto de escrita fosse um ser alheio. O acto de escrita parece assim emular a paixão amorosa. Só tardiamente se revela, para o escritor e para o espectador, a correlação entre o conto que está a terminar e a vida de Claire Martin - que se desvelam como projecções um do outro. O devaneio amoroso acompanha o acto de escrever a estória, enquanto réplica carnal desse acto, e à medida que a escrita do conto se aproxima do fim, também o sopro ou espírito da criação que encarna na figura de Claire Martin adoece e se aproxima da morte. Percebendo, in extremis, a relação entre o conto que acabara de escrever e a vida de Claire, que expira com o fim da obra, Martin Frost decide queimar, uma a uma, as folhas que escreveu. Com isso, ressuscita o corpo-espírito que amara enquanto escrevia desconhecendo que este objecto era uma projecção do seu gesto criador.

Ao trocar a obra pela criatura que é a emanação do acto criativo, isto é, ao trocar o corpo das palavras pelo corpo do ser que excede as palavras, Martin Frost infringe a ordem que determina o desvanecimento dos espíritos no momento em que as estórias acabam. Perturbada a lógica de intermediação que materializava o espírito no mundo como emanação do esforço de criação, a própria Claire Martin (cuja vida perdura para além da estória a cujo processo de invenção estava vinculada) não sabe qual o destino que lhe está reservado. A co-existência do espírito-como-corpo-inspirador e da obra-como-corpo-escrito gerada por esse corpo-espírito inspirador não está prevista nas transacções entre os dois mundos - o da escrita (e da máquina de escrever) e o dos corpos-espíritos da escrita nessa realidade paralela. O corpo da estória foi susbstituído pelo corpo-inspiração que produz a estória. O paradoxo gerado por esta materialização exterior da vida interior é resolvido através do mito de Orfeu e Euridice: desde que não veja directamente o objecto do seu desejo, desde que não olhe directamente para ele, o escritor pode continuar a sentir a sua presença, e a adiar a sua morte.

A estória de A Vida Interior de Martin Frost é a estória desta fantasmagoria: o espírito que possui o escritor no acto de escrever toma forma como um corpo alheio que ele pode amar. Ao libertar-se da vinculação à estória que o produz como encarnação do acto de criar, a encarnação do espírito criador - que o escritor preferiu ao objecto da criação como resultado, como obra, como estória terminada - oferece-se, reflectida no retrovisor do carro, como puro desejo que busca a forma. Libertada do ciclo processo-produto, e da oposição que divide o acto e o resultado do acto, a criação é revelada como simulacro da paixão amorosa. O sopro do desejo da escrita é sopro do desejo no corpo do sujeito da escrita. Escrever é reconhecer a idealidade do real, à maneira de Berkeley, e ver o mundo como projecção dos mecanismos sensitivos e perceptivos que o produzem como objecto de conhecimento para o sujeito. A estória é afinal o fantasma do amor que o escritor persegue no papel.
MP

18 dezembro 2007

A vida interior de Martin Frost segundo Paul Auster

[Notícia-TAGV]


The Inner Life Of Martin Frost, de Paul Auster [2007, 94', M/12]

TAGV, 19.12.07, 21h30
Nova Programação de Cinema no TAGV.

Praticamente dez anos depois de "Lulu on the Bridge" e da co-autoria (com Wayne Wang) de "Smoke" e "Blue in the Face", Paul Auster volta a fazer as vezes de realizador de cinema. Filmando, naturalmente, uma história sua: um escritor (o inglês David Thewlis), em isolamento voluntário para ganhar fôlego entre dois romances, vê a desejada pacatez ser assaltada por manifestações de uma "vida interior" que revela possuir inusitada capacidade para se projectar no "exterior".
Luís Miguel Oliveira

17 dezembro 2007

Recuar duas décadas para a estreia de Gus Van Sant

[Notícia-TAGV]

Mala Noche, de Gus Van Sant [1985, 78’, M/16]
TAGV, 18.12.07, 21h30.
Nova Programação de Cinema no TAGV.

Na sua primeira longa-metragem, Gus Van Sant adapta o romance de culto de Walt Curtis, poeta de Portland: paixão amorosa a preto e branco de um americano por um imigrante mexicano clandestino. Abordagem cinematográfica hiper-realista de assuntos tabu para o cinema de Hollywood – o universo das drogas e a prostituição masculina. Entre Jean Genet e André Téchiné, versão EUA. É o eclodir de uma sensibilidade.
Les Inrockuptibles

14 dezembro 2007

A história recente da Hungria revista em tom de parábola dantesca

[Notícia-TAGV]

Taxidermia, de György Pálfi [2006, 91', M/16]
TAGV, 17.12.07, 21h30.
Nova Programação de Cinema no TAGV.

«Taxidermia é um filme nojento, bizarro e grotesco, feito com um prazer perverso e uma estética tão cuidada que não nos consegue deixar indiferentes.

O filme acompanha três gerações de homens de uma mesma família húngara. Três seres aparte, cada um com uma estranha relação com o seu próprio corpo. Vendel Morosgoványi é um militar de baixa patente que exterioriza as suas necessidades sexuais da melhor (e mais original) forma que pode, vivendo numa ansiedade obsessiva na quinta do seu superior. O seu filho, Kálmán Balatony pôs a render a sua compulsão por comida em concursos internacionais. Do seu casamento com Gizi Aczél […] nasce Lajos, um escanzelado taxidermista, condenado a cuidar do seu pai imóvel e dos seus três enormes gatos. […]

Pornográfico na forma como mostra o organismo nalgumas das suas funções menos agradáveis, “Taxidermia” oscila entre o animalesco e o humano, entre os instintos primários e o autocontrolo da racionalidade. O sémen, o vómito e o sangue são ao mesmo tempo símbolos da necessidade de sexo, comida e saúde, ou melhor, dos desejos básicos de amor, conforto e imortalidade. Um filme visceral, literalmente»

Rita Almeida, cinerama.blogs.sapo.pt [adaptado]

12 dezembro 2007

Organizar o efémero 2

[Arquivo-TAGV]

Depois de «Beckett no TAGV», realizado entre 15 e 25 de Maio de 2006, «Blake no TAGV», a decorrer entre 6 e 28 de Novembro de 2007, é uma segunda tentativa de responder a estas perguntas: O TAGV deve ter produção própria? E o que deve representar a produção própria no conjunto das actividades? Qual deve ser a relação entre criação e produção, e entre estas e a programação? E, enquanto instituição universitária, qual a relação entre criação artística e criação científica na programação do TAGV? E como se deve relacionar com agentes de criação e de produção local? E que parcerias deve manter com outras instituições? Novas respostas a estas seis perguntas são dadas através do ciclo «Blake no TAGV» e da forma particular que agora toma.



Talvez valha a pena resumir a história da produção de «Blake no TAGV» para que se perceba melhor o que programar também pode significar. Como sabem, o projecto «Blake no TAGV» foi anunciado no Encontro de 14 de Julho de 2006 como um dos projectos para a temporada 2006-2007. A primeira versão da grelha geral de programação do ciclo ficou definida há cerca de um ano, em finais de Outubro de 2006. As reuniões de apresentação dos projectos «Uma Ilha na Lua», à Camaleão-Associação Cultural, e «As Portas da Percepção», à Marionet, tiveram lugar em Dezembro de 2006. A conjunção feliz da proposta do TAGV e do interesse quer da Camaleão, quer da Marionet, permitiu que ambos os projectos fossem adoptados como os projectos artísticos a desenvolver por aqueles colectivos de criação no ano de 2007.

Uma Ilha na Lua, ensaios, Outubro 2007. Fotos de Francisca Moreira.

A primeira calendarização do ciclo «Blake no TAGV», prevista para Maio de 2007, teve no entanto que ser adiada. Este adiamento ficou a dever-se, em primeiro lugar, à incapacidade financeira do TAGV para assumir a co-produção na escala inicialmente concebida. Um orçamento preliminar de ambas as produções permitiu concluir que só com uma candidatura ao apoio do Instituto das Artes, no concurso anual de projectos pontuais, seria viável a concretização dos projectos. A incapacidade financeira do TAGV e a data tardia do concurso de 2007, cujas candidaturas encerraram apenas em Abril, determinaram o adiamento para Novembro de 2007. Com o apoio atribuído a «As Portas da Percepção», no âmbito dos projectos transdisciplinares, estava pelo menos garantido que esta criação poderia avançar. O facto de a candidatura de «Uma Ilha na Lua» não ter sido contemplada sugeriu entretanto uma outra direcção para o projecto. A ideia de desenvolver a dimensão musical, contida no projecto original, acabou por tornar economicamente viável a sua concretização, uma vez que a Orquestra Clássica do Centro se tornaria entretanto parceira da co-produção, e que a Reitoria da Universidade de Coimbra aceitaria patrocinar o concerto na estreia da partitura, agendada para o próximo dia 8. Esta inflexão criativa fica também a dever-se ao entusiasmo do compositor Joaquim Pavão, que em Junho levava já muito adiantada toda a composição.



Ao empenhamento das equipas da Camaleão e da Marionet, e em particular dos seus directores artísticos, respectivamente, José Geraldo e Mário Montenegro, e de produção, respectivamente, Cláudia do Vale e Alexandre, deve acrescentar-se a participação generosa dos sete artistas a quem foi proposto que concebessem uma obra original para a exposição «Sete Visões de William Blake», que hoje se inaugura. Os agradecimentos do TAGV são devidos ainda ao maestro Carlos Marques e aos músicos da Orquestra Clássica do Centro; à Rádio Universidade de Coimbra e, em particular, a Alexandre, pela realização sonora projecto «Rádio Blake: Versões de William Blake». Agradeço a Joana Monteiro, cuja arte gráfica conseguiu apropriar-se magnificamente da linguagem gráfica de William Blake. Sublinhe-se ainda, além das instituições já mencionadas, o apoio do British Council, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, da MAFIA- Federação Cultural de Coimbra, do Diário de Coimbra e da Antena 2, que difundirá a gravação de «Uma Ilha na Lua» no próximo dia 28 de Novembro. Os últimos (e também os primeiros) agradecimentos são devidos a todas as equipas do TAGV, pela dedicação acrescida que este conjunto de produções e co-produções significou e significará nas próximas semanas. Sublinho, muito em especial, o trabalho da Coordenadora dos Serviços Artísticos, Teresa Santos, do Coordenador dos Serviços Administrativos, António Patrício, e do Coordenador dos Serviços Técnicos, João Silva.

As Portas da Percepção, ensaios, Outubro de 2007. Fotos de Francisca Moreira.

Tão significativo como as ideias e a forma particular que as ideias tomaram foi testemunhar o entusiasmo de todas as pessoas que se associaram ao ciclo Blake. Pude testemunhar esse entusiasmo nos rostos de Cláudia do Vale e de José Geraldo, de Helena Faria e de Joaquim Pavão, ou no trabalho meticuloso de leitura dos textos de William Blake, realizado por Mário Montenegro, Anabela Fernandes, Nuno Fareleira, Tanya Ruivo e Alexandre; ou nas ideias e nos projectos de Carlos Antunes e António Olaio, de Emanuel Brás e de Pedro Pousada, de Armando Azevedo e Teresa Amaral, de Gilberto Reis.

William Blake, «Newton» (1795, c. 1805), impressão planográfica a cores sobre papel, com acabamento a tinta e aguarela, 45x60 cm © Tate Gallery.

António Olaio, Watching Newton from Outer Space, óleo s/tela, 200x50cm, 2007.

Mesmo num contexto adverso, graças à mobilização colectiva que acabei de descrever, foi possível reunir os meios mínimos necessários para que este ciclo pudesse realizar-se. A intenção de reforçar a produção própria original e de incentivar a criação, que faz parte do modo como o TAGV tem estado a ser redefinido pela actual Direcção, não poderá concretizar-se sem outro nível de apoio público da instituição e, muito em particular, sem que os responsáveis da Universidade de Coimbra, do Ministério da Cultura, da Câmara Municipal de Coimbra e do próprio Ministério da Educação considerem o TAGV como um instrumento de uma política artística estruturada para Coimbra, que continua a não existir. Mantê-lo na situação financeira actual significa concebê-lo apenas como uma sala de espectáculos avulsos, acolhidos sem um conjunto de objectivos educativos e artísticos explícitos, e sem uma racionalidade pública informada pelo conhecimento das artes cénicas contemporâneas. Significa continuar a não clarificar o seu papel no ensino e na investigação artística universitária e significa manter o TAGV fora de uma plena participação nas redes nacionais e internacionais de programação. O ciclo «Blake no TAGV» explicita a racionalidade que temos tentado desenvolver para as decisões tomadas ao longo dos últimos dois anos, mas torna também frustrantemente claros os limites de produção e de co-produção do TAGV. Mais do que isto, nas condições actuais, não é possível.


Joana Monteiro, cartazes do ciclo Blake no TAGV e do espectáculo Uma Ilha na Lua.

Não falo do meu trabalho durante os doze meses de gestação deste projecto. Cito de duas mensagens que escrevi nas duas últimas semanas:

«Ao longo das últimas semanas, tenho tido a felicidade de ver o entusiasmo de todos os que se envolveram directamente neste conjunto de projectos. Que esse entusiasmo se tenha comunicado também à desenhadora gráfica é outro motivo de felicidade. Às vezes parece possível realizar o que se imagina: alguma espécie de entendimento colectivo sobre uma acção partilhada.»

Ou ainda: «O mais extraordinário nessa forma particular de imaginar e de realizar, por interpostas pessoas, o que se imagina é poder perceber que o que acontece não está inteiramente pré-determinado, é poder perceber que nem eu próprio sei o que vou descobrir. Vendo de uma só vez, talvez pela primeira vez, o conjunto das páginas de Blake, vejo também como a sua obra é ainda mais incompreensível e maravilhosa do que eu pensava. E é essa, de algum modo, a forma particular de gratificação que este modo de trabalhar me revela ao fazer-me saber ainda menos do que sabia antes o que faço.»

Afinal, talvez seja possível, às vezes, só às vezes, fazer com que criar, produzir e programar seja aquilo que eu imagino que podia ser: uma forma de treinar e desenvolver a imaginação e, nesse processo, criar um espaço verdadeiramente público de conhecimento, de comunicação e de partilha da experiência do mundo.

Blake escreveu no pequeno poema «Eternity»/ «Eternidade»:

He who binds to himself a joy
Does the winged life destroy
But he who kisses the joy as it flies
Lives in eternity's sun rise

Quem a si uma alegria prende
A vida alada destrói,
Mas quem a beija em pleno voo
Vive no sol nascente da eternidade.

Talvez programar e produzir, enquanto actos de organizar o efémero, se consigam assemelhar, às vezes, a esse beijo na alegria no próprio momento em que passa.
MP [lido na abertura do ciclo, a 6 de Novembro de 2007]

03 dezembro 2007

Oleg Marshev (01 Dez 2007)

[Arquivo-TAGV]


Oleg Marshev, Festival de Música de Coimbra, TAGV, 01 Dezembro de 2007. Fotos de Celestino Gomes.

01 dezembro 2007

Dezembro 2007

[Arquivo-TAGV]

Agenda mensal TAGV. Design de Joana Monteiro.

Em Dezembro o TAGV ensaia a nova programação de cinema, que se tornará regular a partir de Janeiro de 2008 no ciclo «Segundas TAGV». Trata-se de escolher filmes da temporada e apresentá-los, se possível, em estreia em Coimbra. A massificação da distribuição de cinema impede que cheguem a Coimbra alguns dos novos filmes, apesar do destaque crítico que merecem. Este facto, juntamente com a dificuldade em obtermos cópias em 35mm de filmes menos recentes, justifica a mudança na programação de cinema. Embora mais vinculada ao presente, a selecção tentará valorizar formas narrativas e cinematografias menos dominantes. Passarão pelas máquinas de projecção do TAGV os filmes Grindhouse: À Prova de Morte, de Quentin Tarantino; Grindhouse: Planet Terror, de Robert Rodriguez; Taxidermia, de György Pálfi, Mala Noche, de Gus Van Sant; e The Inner Life of Martin Frost, de Paul Auster. Veremos também uma selecção dos filmes premiados no festival «Cinanima» de 2007. Prossegue o ciclo «Doc TAGV/ FEUC», com o quinto filme dedicado ao trabalho no mercado mundializado: L'Elephant, La Fourmi et L'Etat, de Jean-Michel Meurice. Poderemos ver e ouvir o pianista Oleg Marshev, no âmbito do Festival de Música de Coimbra; o compositor Rodrigo Leão; o Coro Misto da Universidade de Coimbra; a cantora Cristina Branco; e a European Movement Jazz Orchestra. A terceira sessão d’«Os Livros Ardem Mal» tem como convidado o escritor, tradutor e ensaísta Frederico Lourenço, e a exposição de Dezembro mostra-nos o trabalho de Moirika Reker e Gilberto Reis.
MP