[Notícia-TAGV]'José e Pilar' de Miguel Gonçalves Mendes
[ESP/SUE/FIN/POR/BRA, 2010, 128’, M/12]
TAGV, 14 de Março, 15h00 e 21h30
SinopseDocumentário realizado sobre o escritor José Saramago, falecido a 18 de Junho de 2010: a sua vida, as suas viagens , a sua relação de amor com Pilar del Río, sua companheira até ao fim da vida. Filmado entre 2006 e 2009 e com a criação do romance "A Viagem do Elefante" como pano de fundo, mostra o quotidiano de um dos mais importantes escritores contemporâneos, na sua relação com Pilar, o público e a vida.
«"José e Pilar": Um filme cheio de vida», por Isabel Coutinho[Público, Ípsilon, 14.10.2010](...)
Há uma certa escuridão naquele corredor do Museu Nacional de Arte Antiga, mas a câmara de Miguel Gonçalves Mendes aproxima-se e o espectador do documentário "José e Pilar" percebe que o homem que está a olhar para a vitrina da exposição Encompassing the Globe é o Prémio Nobel da Literatura português.
José Saramago, absorto nos seus pensamentos, contempla o banco que pertenceu ao arquiduque da Áustria, Maximiliano II, e foi feito com os ossos do elefante que lhe foi oferecido pelo seu tio, João III de Portugal. A peça, agora de museu, está ligada ao romance A Viagem do Elefante que Saramago escreveu durante os anos em que a câmara do realizador português entrou dentro da intimidade do Nobel e da sua mulher, Pilar del Río.
Quando fez "José e Pilar", Miguel Gonçalves Mendes tinha um objectivo: não dar aos espectadores a sensação que estavam a ver um documentário. "Não quis que fosse um documentário tradicional, com um lado pedagógico, a falar do homem e da obra", explica o realizador. Isso já estava feito em outros suportes (livros, reportagens de televisão, etc.). O que lhe interessava era contar esta história como se fosse uma narrativa clássica em termos de estrutura: "Um homem que quer escrever um livro, que adoece, que tem medo de não conseguir acabar o livro, mas consegue recuperar e não só acaba esse romance, como ainda tem uma ideia para outro."
Se no documentário Autografia/Um Retrato de Mário Cesariny, pelo qual Miguel Gonçalves Mendes recebeu o Prémio de Melhor Documentário Português no DocLisboa 2004, se sentia haver alguém a despedir-se, no sentido quase testamentário, em "José e Pilar" há sofreguidão de vida e de desejo de viver. "De José e de Pilar, aquilo que mais me fica é que a vida é só esta, ponto final. E, no caso de José, como ele diz, tudo lhe aconteceu demasiado tarde, há um caso de urgência." O escritor morreu no dia 18 de Junho de 2010 e o filme foi montado antes de ele morrer. "No dia em que morreu, jurámos a nós próprios não tocar em nada da montagem", conta Mendes. "Seria um processo suicida, íamos destruir o filme todo." Na altura, um amigo lembrou ao realizador: "Miguel, o filme é dos vivos para os vivos."
Um filme sem falsidades"Eu tenho ideias para romances. Ela [Pilar] tem ideias para a vida. E eu não sei o que é mais importante", diz a determinada altura, brincalhão, José Saramago. Mas é claro que sabia. Miguel Gonçalves Mendes acompanhou o casal por vários locais do mundo durante mais de três anos, tem filmadas cerca de 240 horas de material e passou um ano e meio na mesa de montagem. Fez uma primeira versão de "José e Pilar" com seis horas, outra de três e a versão final que abre hoje, às 21h00, a VII edição do DocLisboa, na Culturgest, em Lisboa, tem duas horas.
José Saramago viu a versão de três horas. Muitas vezes, durante a rodagem, o escritor teve dúvidas sobre a pertinência de se filmarem determinadas coisas, explica Miguel Mendes, mas quando viu o resultado disse-lhe que, mais do que um filme sobre ele e Pilar, era um filme sobre a vida. "Pareceu-lhe mais interessante do que estava à espera", conta Pilar del Río, num e-mail enviado ao P2 a partir de Milão. "Riu-se com algumas cenas, achámos que estávamos feios noutras, inteligentes por vezes, fortes nas discussões... Ficámos surpreendidos ao ver como representávamos pouco, com o estarmos sem maquilhagem, de estar o José, de roupão, como se não existissem câmaras...", diz. Sentiram que parte da vida deles voltava, que tinham o privilégio de a ver como numa máquina do tempo, com naturalidade, porque "é um filme sem falsidades, cheio de verdade, de pequenas coisas, de vida, simplesmente", continua Pilar. O retrato que Miguel fez do vosso quotidiano é real? Revê-se nele? "Absolutamente. Miguel foi um retratista fiel, embora com personalidade própria. Fez o retrato que qualquer pintor quereria assinar. Sabe manejar os pincéis e a câmara. E os tempos. Tem carácter como realizador, chegará longe."
Em "José e Pilar" assistimos à rotina do dia-a-dia, à inauguração da biblioteca, aos cães a rondar a casa, ao casamento, a funerais, ao regresso à Azinhaga e a Castril, à criação da fundação, aos momentos da doença. Numa das cenas mais impressionantes vemos José Saramago na cama do hospital a olhar para um computador onde, em directo, está a ser transmitida a imagem dos amigos e família a desejarem-lhe "Ano Feliz 2008".
Sabe que eu te amo, né?Momentos interessantes são também aqueles que se passam no México na Feira de Guadalajara e no Brasil, quando o autor de Memorial do Convento foi lá lançar A Viagem do Elefante. Há a conferência de imprensa em que José se queixa que os jornalistas lhe fazem sempre as mesmas perguntas onde quer que vá. Uma jovem aproxima-se do escritor e repete várias vezes algo que o escritor não percebe ("Saramago, eu te amo"), acabando por lhe segredar ao ouvido: "Você sabe que eu te amo, né?" O escritor português desmancha-se a rir. O editor brasileiro Luiz Schwarcz e a sua mulher, Lilia, antropóloga, em casa de quem Saramago ficava no Brasil, emocionaram-se muito. "O humor do filme nos agradou imenso, como vocês diriam. Não temos muito a dizer. Sentimos muito do que privamos ao ter "José e Pilar" sempre em casa", responderam por e-mail. Este filme tem a capacidade de emocionar e de fazer rir quem o vê. Os protagonistas, "José e Pilar", não se emocionaram, simplesmente reviveram. E riram-se de algumas coisas que se passaram e que a câmara viu.
Para Pilar del Río, não há nenhuma lição a tirar deste filme, "só a experiência de compartilhar com alguém muito amado, com José Saramago, parte da sua vida, entrar na sua intimidade, porque Saramago abriu as suas portas e expôs-se". "Parece-me isso tão admirável que eu, sim, estou emocionada ante o exemplo magnífico, da generosidade assombrosa de José Saramago neste filme, na sua vida. Como o filme revela."